16 de mai. de 2011

História que vem do gelo

Arqueólogos desenterram artefatos do passado e revelam hábitos dos primeiros exploradores da Antártica
   
Juliana Marques

Sob temperaturas que oscilam entre –10°C e 5°C no verão e envoltos em uma paisagem coberta de gelo com ventos que alcançam 150 km/h, um grupo de pesquisadores brasileiros, chilenos e argentinos realizaram uma expedição na Antártica para escavar, pesquisar e desvendar o passado dos primeiros exploradores do continente mais frio da Terra. Quem liderou a aventura foi o arqueologista Andrés Zarankin, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e ele conta ao Boletim da Olimpíada a importância, os desafios e os resultados do estudo sobre antigos objetos e resíduos que pertenciam aos primeiros visitantes do pólo sul:

Esta não é a primeira vez que sua equipe da UFMG parte uma jornada arqueológica à Antártica. Como este projeto começou?

A pesquisa teve início em uma expedição de 1995, quando uma equipe de geólogos do Instituto Antártico Argentino na Península de Byers, localizada na Ilha Livingston, encontrou uma caverna com estruturas e materiais arqueológicos. A descoberta deu início a outras expedições, que localizaram 26 sítios arqueológicos apenas na Península de Byers. A minha linha de pesquisa na UFMG, orientada para o estudo dos caçadores de mamíferos marinhos, foi aprovada pelo Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR) - que conta com parceria e financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – e isso já garantiu duas viagens aos sítios arqueológicos (uma entre fevereiro e março de 2010 e outra entre janeiro e fevereiro de 2011). A próxima visita está marcada para o ano que vem.

Quais foram as regiões exploradas nas duas primeiras expedições? E que tipo de artefatos foram encontrados?

Na primeira expedição escavamos dois sítios arqueológicos, Sealer 3 e Sealer 4, enquanto na segunda expedição foram três sítios, Punta Varadeiro, Pencas 1 e Pencas 3. Recuperamos materiais que formam uma coleção inédita no Brasil:  grande quantidade de ossos, metal, tecido, vidro e cerâmica, incluindo sapatos e cachimbos, configurando objetos de função diversa: vestimenta, alimentação, hábitos, trabalho e lazer.

Uma paisagem extrema: Termômetros registram –10°C no verão e ventanias de 150 km/h são comuns na Antártica, o continente mais gelado da Terra (Foto: Divulgação/Andrés Zarankin)


Quais são os desafios do clima, as vantagens e desvantagens de realizar um estudo arqueológico na Antártica?

A Antártica oferece condições extremas, neve, gelo e ventos fortes, em paisagens sempre em transformação, com a presença intermitente de animais. Por isso, durante todo o trabalho estávamos preparados para contínuas mudanças. A baixa temperatura local, por outro lado, funciona como uma espécie de freezer, permitindo a conservação dos materiais arqueológicos. Os tecidos, por exemplo, não estariam tão conservados se estivessem em ambientes com temperaturas mais elevadas.  Mas para que estes artefatos continuem bem preservados no Brasil, é necessária a construção de uma infra-estrutura especial, bem como a conservação e restauro especializado.

Já teve a oportunidade de visitar o Ártico? Quais são as principais diferenças e semelhanças entre habitantes e viajantes do Ártico e da Antártica?

Nunca estive no Ártico propriamente dito (o mais ao norte que estive foi Canadá e Escócia). Porém, temos contato com pesquisadores que atuam no Ártico, e no ano passado organizamos na UFMG um congresso sobre Arqueologia e Antropologia nos Pólos, que contou com a presencia de pesquisadores atuantes em ambas regiões. Existem grandes diferenças entre os dois pólos. Enquanto o Ártico e uma região composta por massas de gelo sobre mar (que formam partes de diversos países), a Antártica é um continente e território internacional, ou seja, existe terra embaixo do gelo. Além disso, grupos humanos (como os esquimós) e animais (como ursos polares) habitam o pólo norte. A Antártica foi também o último grande território a ser ocupado pelo ser humano, entre o final do século XVIII e início do século XIX. Neste período já havia um sistema capitalista já consolidado e, como na região não havia outros grupos humanos, o estudo se torna potencial para a compreensão da lógica de ocupação e exploração do território pelo capitalismo.

Entre os artefatos encontrados pelos arqueólogos na Antártica, ossos, metal, tecido, vidro e cerâmica, sapatos e cachimbos, que representam hábitos, alimentação e trabalho (Foto: Divulgação/Andrés Zarankin)


Qual é a importância de investigar tais resíduos antigos?

O fato de haver histórias não contadas sobre a presença humana no local já apresenta um desafio à arqueologia, e a visibilidade internacional do estudo antártico oferece oportunidade significativa para mostrar a capacidade da pesquisa brasileira. As coleções arqueológicas são compostas pelo lixo dos grupos passados, que com o tempo passa a ter valor na nossa sociedade. Por meio desses resíduos podemos nos aproximar da vida das pessoas, de modo que todo objeto recuperado que se associa ao ser humano é de interesse para a pesquisa arqueológica. Portanto, interessa-nos mostrar ao público que a Arqueologia estuda não os tesouros, a elite ou objetos de beleza estética, mas potencialmente todo e qualquer objeto que informe sobre as pessoas, grupos e sociedades. O projeto se preocupa ainda com a construção de uma história alternativa às histórias oficiais da ocupação da Antártica. Estas histórias relatam detalhes das grandes e pioneiras viagens exploratórias, sob a perspectiva dos capitães e grandes financiadores.  Já a história alternativa integra os que se ocupavam dos afazeres cotidianos da exploração no próprio local, sendo indivíduos centrais no processo exploratório. Esta é a importância da arqueologia, que oferece a possibilidade de trabalhar com materiais gerados direta ou indiretamente por todos os grupos sociais.

Saiba mais sobre a aventura arqueológica na Antártica
Ouça a entrevista com o pesquisador Zarankin para o portal Ciência Hoje
Saiba mais sobre a Antártica, na publicação Explorando o Ensino – Antártica (pdf)