Juliana Marques
Pádua é autor de diversas obras, entre elas Um sopro de destruição, que mostra a preocupação com o meio ambiente do Brasil desde o período colonial (Foto: Juliana Marques) |
Como surgiu seu interesse em pesquisas na área de história do ambientalismo?
Pádua: Meu interesse começou por volta da década de 70, quando a sociedade estava em efervescência, mais ainda em plena ditadura militar. As pessoas começavam a buscar caminhos e alternativas de organização e cidadania, por isso, inicialmente me interessei como cidadão, mas logo enveredei pelo campo da história ambiental. Este passou a ser meu campo de estudo acadêmico, pois eu queria abrir um novo horizonte em relação à ecologia. A preocupação ambiental teve uma relação direta com o processo de crescimento econômico do Brasil, já que naquela época não existiam legislações e órgãos públicos voltados para a preservação. O que se via era simplesmente a poluição da água, do ar, destruição de áreas verdes e ecossistemas para a urbanização sem nenhuma fiscalização.
Conte-nos como surgiu o material para sua pesquisa que resultou no livro “Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786 – 1888)”. Quais foram as primeiras ideias ambientalistas do período colonial?
Pádua: Desde século XIX até o final do século XX, o Brasil teve personalidades muito marcantes e preocupados com o meio ambiente. Eu encontrei cerca de 50 autores que já abordavam estas questões com bastante seriedade. Entre eles, Euclides da Cunha, Joaquim Nabuco, Alberto Torres e José Bonifácio de Andrada e Silva, que foi especialmente brilhante e criativo. Há um documento escrito por ele para a Assembleia Legislativa que data 1823 e merece destaque. Ele não só pedia o fim do tráfico de escravos, mas escrevia de forma quase apocalíptica, dizendo que nossas florestas estavam sendo destruídas e isso, com o tempo, já reduziria chuvas e umidade: “Nosso belo Brasil ficará reduzido aos áridos desertos da Líbia... E chegará esse dia, dia temível e fatal em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos crimes e erros cometidos,” ele afirmou no documento.
Um ponto de vista bastante atual então?
Pádua: Sim, e uma percepção forte. Eles não tinham ainda os conceitos que hoje existem do ambientalismo, mas estavam preocupados com o país. Apontavam o analfabetismo e a escravidão como principais inimigos da natureza, já que as formas rudimentares de trabalho impediam o desenvolvimento. Eles já estavam preocupados com a destruição dos recursos naturais, erosão do solo, redução da água e perda de espécies.
E após o período colonial? Outros personagens também se destacaram?
Pádua: Já no século XX aponto Euclides da Cunha, autor da obra “Os Sertões”, que entre outras coisas era escritor e sociólogo. Ele dizia que os fazendeiros eram “fazedores de desertos” por conta do intenso processo de desmatamento. Estava claro que os intelectuais já passavam a compreender que o território e a natureza eram muito importantes para a formação de um país como o Brasil.
E quando a sociedade passou a participar de maneira efetiva dos movimentos ambientais?
Pádua: Foi justamente a partir da década de 70, quando a opinião pública começou a se manifestar. Alguns grupos se formaram e destaco duas frentes: a da classe média, preocupada com questões locais e globais - como poluição dos rios e do ar - e também com “ecologia popular”, voltada para problemas sociais mais locais. Nesta ecologia popular destaco o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu no norte do país, assim como o assassinato de Chico Mendes, em 1988.
Mas como então transportar esta preocupação a outros membros da sociedade, em especial professores e alunos?
Pádua: Eu percebo que muitas mudanças já são observadas. É importante começar desde cedo, na educação básica, com o objetivo de tornar o tema parte da cidadania. Os professores de Ciências, História e Geografia podem trabalhar facilmente com a perspectiva histórica. Muitas vezes os conceitos abordados em sala ficam abstratos, mas uma observação da paisagem em que os alunos vivem podem facilitar a conscientização. A partir de perguntas e pesquisas como: Como era este bairro há 20, 30 anos atrás? O que mudou? O que piorou? Há lixo, houve desmatamento, como houve esta degradação? é possível visualizar as transformações no local onde vivemos e a consciência se torna natural. O debate sobre a ecologia abre discussões para temas como a disseminação de epidemias, chegada de doenças, entre outros. É importante levar em conta a responsabilidade histórica que obtemos com a constituição do nosso extraordinário território, desde recursos hídricos às nossas florestas e biodiversidade.
Neste caso, o nosso maior desafio ainda é preservar os recursos naturais?
Pádua: Evidentemente. Devemos encontrar uma síntese inteligente para usar as riquezas de forma democrática com sustentabilidade e em prol do desenvolvimento humano. É importante destacar as vitórias do ambientalismo no Brasil, cujos efeitos repercutem na sociedade. Por exemplo: nos últimos nove anos houve uma redução em 80% no desmatamento da Amazônia - isso graças a novas políticas de crimes ambientais e novas posições de vários setores da sociedade - além de inovações tecnológicas. Devemos ter, portanto, atividades econômicas cuidadosas que usem a terra e ao mesmo tempo preservem recursos de maneira racional. Não devemos apenas discutir questões ambientais, mas saber o motivo da discussão em um contexto histórico. E além de aprendermos com o passado, devemos vislumbrar soluções para o futuro com uma visão ampla de nação e cidadania. A preservação deve ser “multisetorial” e pode começar em casa, no trabalho, no bairro e assim por diante.