10 de fev. de 2011

Incompreendidos e essenciais

Programa das Nações Unidas destaca a importância dos morcegos, fundamentais para o controle de pragas e dispersão de sementes

Juliana Marques

Pesticidas, desmatamento e mitos que envolvem o imaginário popular têm causado graves problemas aos morcegos. Conhecidos especialmente por seus hábitos noturnos e hematófagos, estes mamíferos voadores assustam quem desconhece o papel deles no equilíbrio da natureza e da biodiversidade. Adorados em alguns países, mas temidos em outros, os morcegos possuem cerca de 1.100 espécies espalhadas pelo mundo, sendo que metade delas está ameaçada de extinção. Sim, eles saem à noite para se alimentar, mas estão longe de serem vampiros.


Morcego da espécie Tadarida brasiliensis, encontrado em todo território americano, especialmente no Brasil. Anualmente, suas colônias são capazes de ingerir até 18 toneladas de insetos. (Foto: Ron Groves)

Para estimular o conhecimento a respeito destes animais – pertencentes à ordem quiróptera – o Programa para o Ambiente das Nações Unidas (Unep), decidiu escolher 2011 como o ano do morcego. O objetivo é promover a conservação, pesquisas e a educação para ressaltar a importância das espécies ao meio ambiente. Como a grande maioria dos morcegos come frutos, néctar e insetos, eles se tornam animais indispensáveis no controle de pragas, polinização, e dispersão das sementes.  Para se ter uma ideia deste equilíbrio, basta tomar como exemplo os morcegos insetívoros: alguns deles conseguem ingerir mais de três mil insetos em apenas uma refeição.

Segundo os especialistas em quirópteros, os morcegos só são perigosos quando transmitem raiva, mas a doença se manifesta apenas em espécies hematófagas. “Os morcegos raramente atacam humanos. Mas na América Latina, em especial, milhares de animais são mortos por puro preconceito. As pessoas não apenas o dizimam como também destroem seus refúgios”, afirma o médico Merlin D. Tuttle, embaixador de honra da campanha e fundador da Conservação Internacional de Morcegos.

As três espécies de morcegos “vampiros” conhecidas: Da esquerda para a direita, Diphylla ecaudata, Diaemus youngii e Desmodus rotundus. O biólogo Wilson Uieda já entrevistou 607 famílias no interior da floresta amazônica e verificou que 42% delas já sofreu ataques de morcegos. (Foto: Wilson Uieda)

De fato, portanto, existem morcegos que se alimentam de sangue de outros animais. A boa notícia é que há no planeta apenas três espécies de morcegos “vampiros”. A má, é que todas as três estão restritas à América Latina, e são as maiores responsáveis pela transmissão de raiva entre seres humanos. Mas não há motivo para pânico. De acordo com o biólogo Wilson Uieda, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), os ataques a humanos só acontecem quando há mudanças drásticas no ambiente em que os morcegos vivem: “Na ausência de presas selvagens, os morcegos hematófagos ferem cães, cavalos, galinhas e seres humanos. Constatei também que é comum, por exemplo, encontrar casos de raiva em comunidades indígenas que recebem terras do governo. Eles deixam de ser nômades, vivem sempre em um mesmo lugar e viram presas fáceis para os morcegos”, explica Uieda, um dos maiores especialistas do país em quirópteros.

No Brasil, e outros países como o Reino Unido, morcegos e suas moradias estão sob a Lei de Proteção à Fauna. Portanto, capturar, machucar, matar morcegos ou até mesmo destruir suas moradias é crime. No Reino Unido, inclusive, há biólogos e especialistas de plantão para resgatá-los em caso de incidentes com seres humanos. E enquanto nas Américas os morcegos causam arrepios, na China são considerados símbolos de felicidade e riqueza. Já na Escócia, um imóvel é valorizado quando passa a ser habitado pelos mamíferos voadores.

Ao todo, existem 138 espécies espalhadas pelo país. Aqui, as espécies hematófagas são encontradas especialmente na região norte, em vilarejos no interior do Amazonas e do Pará, onde animais domésticos passam a ser comuns. As espécies Diphylla ecaudata e Diaemus youngii alimentam-se apenas de sangue de aves, enquanto a Desmodus rotundus tem preferência por qualquer mamífero indefesos com um sono profundo.

Algumas curiosidades sobre os morcegos:

  • Incluindo os hematófagos, existem ao todo seis subordens de morcegos: 
          - morcegos-raposas, em sua maioria insetívoros;
          - morcegos-pescadores, que usam seus dedos dos pés e unhas longas para
            capturar insetos e pequenos peixes sob a água;
          - morcegos carnívoros, se alimentam especialmente de roedores e rãs;
          - morcegos nectarivos,  têm preferência por certas espécies de flores;
          - morcegos frugívoros, se alimentam de frutos maduros.

  • Ao contrário do que muitos pensam, os morcegos têm ótima visão, adaptada a ambientes com pouca luminosidade. Algumas espécies chegam a enxergar 10 vezes melhor que seres humanos. Além disso, eles contam com a ecolocalização, um tipo de sonar que detecta a distância dos objetos, tamanho, velocidade e até mesmo a textura por meio de ondas sonoras!
  • As espécies hematófagas possuem curiosidades à parte: Alguns morcegos chegam a  ter uma longevidade de até 30 anos. Depois de darem à luz, as fêmeas passam um ano cuidando do filhote: amamentando e fazendo higiene corporal.
  • Não é fácil para um mamífero acordar no meio da noite e perceber que há um morcego se alimentando com seu sangue. A mordida é pequena, os dentes não perfuram e eles liberam pela saliva um anticoagulante especial. A substância já está sendo estudada em laboratórios norte-americanos para o tratamento de pessoas que sofreram derrames. 
  • Nos Estados Unidos, produtores agrícolas estão investindo nos morcegos para plantarem alimentos orgânicos: Os morcegos agem no controle da população de insetos e os agricultores abandonam o uso de pesticidas.
  • Para evitar visitas indesejadas de morcegos em sua casa, cubra aberturas e frestas de concreto, madeira ou tijolo e verifique telhas soltas. Ainda que a abertura seja pequena, morcegos de tamanhos menores podem se abrigar. Em paredes feitas de pedras, onde os espaços são maiores, a passagem fica ainda mais simples, já que os morcegos se instalam em locais seguros, escuros e úmidos. Instale telas ou mantenha portas e janelas fechadas, especialmente durante a noite.

Saiba  mais sobre o estudo de morcegos no Brasil:
http://www.sbeq.org/