31 de ago. de 2010

Percepção de vida e valores

Sob seu olhar de escritor africano, Mia Couto fala na Fiocruz sobre biodiversidade, cultura e sociedade

Juliana Marques

Mia Couto
Apaixonado pela natureza, o escritor e biólogo moçambicano Mia Couto vê a biodiversidade como a mais bela história da vida. Neste contexto, ele não apenas considera a ciência como uma disciplina, mas uma catalisadora de conhecimento e experiências humanas. Na sexta-feira, 26 de agosto, Couto trouxe seu ponto de vista africano para a Tenda da Ciência, na Fiocruz, e instigou estudantes, professores e pesquisadores a refletirem sobre antagonismos culturais, princípios éticos, respeito às crenças e sociedades.

Autor de obras como Terra Sonâmbula (1986) e O Fio das Miçangas (2006), o moçambicano encantou e divertiu a plateia ao contar suas experiências no continente africano, seja como professor de biologia, escritor e até mesmo tradutor. Quando une poesia, humanismo e biologia, ele expande ainda mais o conceito de biodiversidade, que em sua opinião, vai além da relação com o meio ambiente, a fauna e flora. “Estudando biologia, crio uma relação mais próxima com os seres vivos. Posso estar mais perto da natureza e estudar em campo. Mas a vida é muito mais do que isso, ela é a prova da diversidade”, afirma.

Segundo Couto, mais importante que conservar a natureza é compreender e respeitar crenças e costumes, buscando ir além da técnica científica. “Quando entendemos as relações humanas conseguimos entender melhor a natureza, o meio ambiente”, afirmou. O escritor ilustrou sua reflexão com uma história: Em certa ocasião, pesquisadores europeus desembarcaram no sul da África com o objetivo de analisar a elevação do nível do mar em uma pequena ilha. Para realizar os estudos topográficos, eles utilizaram helicópteros e convocaram moradores locais que ajudaram na identificação do problema. Em pouco tempo, os habitantes encontraram a causa do mar revolto: “Vocês estão pintando nossas casas com tinta branca. Sabemos como fabricam as tintas. Utilizam conchas e cascalhos do mar, e agora, o mar está avançando para levar estes tesouros de volta”.

"A educação ambiental também deve contemplar os problemas sociais causados pela globalização" - Mia Couto (Foto: Juliana Marques)

Mia Couto, que é o escritor mais premiado e traduzido de Moçambique, foi protagonista da construção democrática em seu país. Sua relação com a pátria vai além da cidadania:  ele valoriza a cultura e a diversidade africana em suas obras, exaltando a língua portuguesa moçambicana. Em viagens pela África e no próprio país, Couto viu de perto culturas e sociedades em choque. “As soluções podem ser muito mais humanas, especialmente quando respeitamos, ouvimos e compreendemos a cultura alheia”, explicou.

Couto, autor de mais de vinte obras, incluindo poesias, contos e romances, incentivou jovens e adultos a nunca desistirem da curiosidade: “Continuem interrogando a ciência, nunca deixem de procurar respostas”. Aos estudantes e professores ele recomendou: “A paixão pelo que fazemos e acreditamos é o que deve nos mover. Quando um professor exerce seu papel com paixão, é essa a mensagem que ele transmite aos seus alunos. É esta a paixão que eles carregarão para sempre como marcas que seduzem e ficam eternamente na memória”.